Loterias estaduais divergem sobre territorialidade e criticam Loterj em disputa com a Fazenda
Pouco meses depois da formalização da lei das apostas esportivas, o mercado vê um embate entre o Ministério da Fazenda e a Loterj. A loteria estadual do Rio de Janeiro tem emitido licenças para casas de apostas sem impedimento que elas atuem em todo o país, o que gerou protestos da Fazenda. Em meio a esse embate, outras loterias estaduais criticaram a postura da Loterj.
Durante o evento SiGMA Américas, representantes de entes estaduais ouvidos pelo Aposta Legal Brasil discordaram da atuação da loteria do Rio de Janeiro.
“A própria lei que trata da aposta quota fixa já limita, e a gente, enquanto representante do estado, não pode ser contra a lei. A gente entende que a exploração está vinculada ao território do ente subnacional. Portanto, uma empresa credenciada no estado da Paraíba só poderá explorar na Paraíba. Uma empresa credenciada em São Paulo só poderá desenvolver a exploração no estado no qual está credenciado. Somos muito seguros em relação a isso e contra a atitude do Rio de querer credenciar uma empresa para explorar em todo o Brasil”, opinou Francisco Petrônio, superintendente da Lotep, da Paraíba.
Em consonância, Daniel Romanowski, diretor presidente da Lottopar, do Paraná, defendeu que as loterias estaduais devem respeitar os limites de territorialidade impostos pela Lei n° 14.790.
“Com a legislação federal e a decisão do STF, houve o pedido para que os estados se restringissem à sua territorialidade. Está bem explícito inclusive. Entendemos e seguimos isso, que cada estado só tem a sua territorialidade, não pode oferecer para os outros.”
“Trazendo por uma analogia, é mais ou menos assim: sou um prestador de serviço, moro no Paraná, presto um serviço em Goiás, mas emito uma nota do Rio Grande do Norte. Fica uma salada tributária, né? Isso pode dar problema até para outros setores. Vai virar uma guerra entre as secretarias de fazenda, por arrecadação, e não é esse o objetivo. Então a gente entende muito claramente que cada estado deve respeitar a sua territorialidade”, acrescentou.
Oportunidade para operação regional
Romanowski destacou ainda que vê as loterias estaduais como uma oportunidade para operadoras que buscam atuar regionalmente.
“O mercado estadual é para empresas menores, que não têm esse potencial de continental que o Brasil é, para 200 e tantos milhões de habitantes, e vão escolher locais menores que, depois, vão poder crescer gradativamente, se assim for possível. Se ela está só em São Paulo, pronto, não tem essa necessidade de estar no Brasil inteiro. Entende que talvez a melhor lucratividade, ou a melhor operação dela, vai ficar naquele estado. Então, é uma decisão empresarial”, complementou.
A Lottopar já concedeu licenças para uma operadora do Paraguai e outra da Argentina. “Até por tamanho da população, o (operador) do Paraguai entendeu que o momento de expansão era justamente procurar um estado próximo. A vantagem (da licença estadual) é começar de forma regional e estar mais concentrado”, ressaltou Daniel Romanowski, que indicou a possibilidade de casas de apostas abrirem espaços físicos no Paraná.
Leia também: Loteria estadual ou federal? Entenda o embate na regulamentação de apostas.
Medidas para assegurar territorialidade
A defesa da territorialidade pode enfrentar um obstáculo nas apostas online. Uma vez que o palpite é feito no meio virtual, como uma loteria estadual poderia assegurar que o apostador está realmente dentro de seu território?
Para contornar esse possível empecilho no cumprimento da legislação, a Lottopar incluiu obrigações de acompanhamento do IP dos apostadores no edital para licenciamento das plataformas de apostas.
“Pegamos uma plataforma de gestão e meios de pagamento. São duas formas. Numa, exigimos no nosso edital que os operadores registrem o IP de quem está jogando. Ele consegue bloquear pelo IP do apostador, ou pelo IP do pagamento. Pode haver o VPN, que é uma forma de burlar essa localização, mas entendemos que isso será no máximo 1% da população”, explicou Daniel Romanowski.
O dirigente da Lottopar acredita ainda que a possibilidade de o apostador concorrer com outros apenas do seu próprio estado poderá ser um atrativo. Inclusive, a Loteria do Paraná planeja usar esse mote em suas campanhas publicitárias.
Disputa entre Loterj e Fazenda
Atualmente, o grande embate sobre a territorialidade nas apostas de cota fixa está concentrado entre Loterj e Fazenda. A legislação federal permite que os estados operem jogos lotéricos, desde que respeitem os limites territoriais.
No início de abril, a Loterj respondeu a uma notificação da Fazenda alegando que obedece à territorialidade das atividades.
Enquanto o governo federal irá conceder licenças para casas de apostas no valor de R$ 30 milhões, a loteria estadual do Rio de Janeiro credencia empresas do setor por R$ 5 milhões, além de cobrar impostos de 5% do lucro, enquanto a União mantém taxação de 18%.
A Loterj alega ainda que a “exploração de atividades lotéricas em ambiente virtual deve ser compreendida à luz dos princípios que regem o comércio eletrônico (e-commerce), setor já amplamente consolidado e que segue princípios de territorialidade flexíveis, adaptados à realidade digital”.
Assim, a loteria do Rio de Janeiro diz que buscou se adaptar à realidade atual do comércio e da prestação de serviços virtuais, para garantir que as operações sejam realizadas sob a legislação do Rio de Janeiro.
Possibilidade de inconstitucionalidade
Enquanto há divergências sobre interpretação do conceito de territorialidade previsto na lei das apostas esportivas, há quem defenda que o impedimento de que as loterias estaduais atuem nacionalmente pode ser inconstitucional.
Nelson Willians, CEO da Nelson Willians Advogados, indicou, durante o SiGMA Americas, que há uma tendência de judicialização desse embate.
“A Loteria Federal não quer que as estaduais ultrapassem o limite da territorialidade, porém a constituição não traz esse limite. Temos a cobrança de imposto na sede da empresa. Acredito que teremos uma judicialização muito grande sobre esse tema e vai acabar no STF”, afirmou.
“Na minha opinião, não deveria restringir, porque até R$ 30 milhões será o preço da federal, mas esse é um valor excessivo, vai se restringir o mercado às grandes empresas. As licenças estaduais são menores e vão permitir acesso às empresas menores. ”
“Se qualquer um dos estados não aceitar e resolver judicializar, esse assunto vai parar no supremo. Eu vejo que a constituição federal não dá essa restrição. Há base legal para ser questionada a limitação territorial. Teríamos pelo menos 2 anos de questionamento até termos uma decisão do supremo sobre o tema”, complementou.