Excesso de propostas punitivistas ao usuário é preocupante

Atualizado: 6 Dez 2024
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Rafael Ávila

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Rafael Ávila é Psicólogo com especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), com vasta experiência no mercado de iGaming e Apostas Esportivas. Trabalha na área das Apostas Esportivas há mais de 4 anos, carregando experiências como apostador e coLeia mais
Psicólogo especializado em Jogo Responsável
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Júlia Silva

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Há 2 anos, escreve guias com dicas valiosas para você entrar em campo preparado.Leia mais
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Com o avanço da regulamentação no Brasil, através da Lei 14.790/23, vemos também um grande aumento de projetos de lei vinculados à atividade, com questões como restrição à publicidade, restrição ao patrocínio, limitação de apostas baseado na renda e proibição de determinados grupos apostarem.

Uma das preocupações de algumas propostas que estão sendo apresentadas no Congresso é o excesso de foco no usuário, em vez de focar em questões estruturais, que poderiam ter um retorno mais positivo para a sociedade.

A exemplo, a PL 3703/2024, do deputado Tião Medeiros, com o intuito de evitar o superendividamento e o mal gasto do dinheiro público, propõe retirar dos benefícios sociais os usuários que realizarem qualquer tipo de aposta.

Essa proposta, com foco exclusivo no usuário e não em aumentar a conscientização ou trazer formas eficazes de evitar que o dinheiro do benefício seja gasto em apostas, pune o usuário por uma atividade de lazer, o que pode contribuir para aumentar a vulnerabilidade social do usuário. Considerando, ainda, que o usuário em questão pode ser um ludopata, a preocupação aumenta mais ainda.

Sabendo que o Transtorno do Jogo é uma doença caracterizada pela falta de capacidade de controle do impulso e pela forte compulsão, sabemos que os usuários com critério diagnóstico para o transtorno tem pouco controle das suas atividades e que agem de forma impulsiva e sem controle, pelo comprometimento do sistema nervoso central causado pela doença.

Ao punir exclusivamente o usuário ludopata, estaremos potencializando o risco de superendividamento dessa pessoa pois, sem formas adequadas de conscientizar e evitar que essa pessoa faça apostas de valores importantes, retira-se um benefício importante para aquela pessoa e não contribui para que ela não faça novas apostas, mas agora com ainda menos dinheiro disponível.

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É importante ter ciência de que a ludopatia é uma doença real e que causa um comprometimento na região responsável pela tomada de decisões e avaliação de riscos, logo, o usuário pode não estar tomando as decisões baseados na racionalidade. 
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Rafael Ávila

Psicólogo especializado em Jogo Responsável

Outro projeto, do senador Alessandro Vieira, a PL 3718/2024, também foca excessivamente nos usuários ao invés de trazer propostas baseados na conscientização e na informação.

Com o intuito de proibir o acesso de determinados grupos, como idosos, pessoas com dívidas ativas ou com cadastro no CadÚnico, essa proibição pode contribuir para que essas pessoas busquem apostar no mercado clandestino, utilizando casas que não promovem o Jogo Responsável e não fornecem ferramentas de controle da atividade, como limites de depósitos; de tempo ou até mesmo a autoexclusão, colocando o usuário em um risco aumentado de ter seus dados expostos ou não ter acesso ao seu saldo, mesmo que obtenha vitórias.

As propostas devem focar mais em conscientização e educação do público, com campanhas educacionais, transparentes e ensinando o que é o jogo, quais são as chances de vencer e de perder, ensinar a população que o jogo não é fonte de renda e não é uma alternativa de resolução de problemas financeiros e em como buscar ajuda; ao invés de focar excessivamente no comportamentos dos indivíduos, que podem estar afetados por uma doença mental que não tem cura e que, atualmente, não tem tratamento especializado na rede pública.

Ter mais clareza de que devemos observar a estrutura do setor e não o comportamento individual é importante para que consigamos criar projetos mais eficazes e menos punitivistas.

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