Taxação das apostas: caminho certo ou porta de entrada para o jogo ilegal?

Atualizado: 6 Fev 2024
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Após meses de especulação e uma expectativa que ultrapassou os 4 anos, a MP das apostas esportivas foi assinada pelo presidente Lula na última terça-feira, 25.

O principal ponto de discussão do texto aprovado está relacionado com as taxas que serão aplicadas tanto para as marcas, quanto para o apostador.

Casas de apostas deverão pagar 18% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR, receita arrecadada com todos os jogos, depois do pagamento dos prêmios aos apostadores e desconto do IR sobre o valor da premiação). Já os apostadores deverão pagar 30% sobre os prêmios acima de R$2.112,00.

Essa taxação divide opiniões: ao mesmo tempo que os encargos são necessários para que a atividade seja regulamentada, não seriam eles “altos demais” para manter o mercado atrativo?

É o que discutimos neste artigo, que reúne opiniões de especialistas jurídicos, contábeis e a visão de representantes da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) e Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL).

Apostas esportivas foram categorizadas como jogos de loteria

De acordo com o advogado especialista em apostas esportivas Udo Seckelmann, da Bichara e Motta Advogados, a tributação aplicada ao apostador foi um erro crucial da regulamentação brasileira.

Na Lei 13.756/2018, as apostas esportivas de quota-fixa foram enquadradas como atividades de loteria. Por isso, seguem a mesma tributação.

A tributação é de 30% de imposto sobre os prêmios superiores a R$2.112

“Ocorre que a atividade de apostas esportivas é completamente diferente das loterias convencionais, de forma que merecia uma tributação diferente", observa o especialista.

André Gelfi, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), acredita que ao aplicar o mesmo conceito, apostadores são prejudicados. "Estamos falando de um produto totalmente diferente do lotérico, com outra mecânica: na loteria se pagam poucos prêmios de valores muito altos, e nas apostas esportivas, se pagam muitos prêmios de valores muito baixos", aponta.

Para Eliane Soares, contadora com mais de 28 anos de experiência e especialista do Aposta Legal Brasil em tributação e contabilidade, os números parecem assustadores, mas existe um contexto por trás que deve ser considerado: o fortalecimento dos cofres públicos.

"Esse imposto mais alto, de 30%, ocorre por essa se tratar de uma atividade de 'jogo de azar', com potencial de gerar vício, seguindo a mesma linha da tributação sobre cigarros e bebidas alcoólicas, por exemplo. Não se trata de um imposto que incide sobre produtos ou serviços essenciais na vida do cidadão, como alimentos da cesta básica, serviços de luz e água, entre outros", aponta.

Taxação elevada poderia estimular o mercado ilegal

Os especialistas concordam que a taxação ao apostador, que será retida diretamente pelas casas de apostas, poderia estimular o mercado ilegal de alguma forma.

Na opinião de Seckelmann, a busca por casas de apostas não legalizadas pode se tornar mais popular para apostadores que movimentam grandes quantias financeiras — e que seriam taxados.

Uma pesquisa realizada em parceria entre o Aposta Legal Brasil e a Opinion Box, que mapeou o comportamento do apostador brasileiro, aponta que mais da metade desembolsa menos de R$50 por mês para apostar.

Este valor está bem longe do teto de isenção, mas vale destacar que o tributo será aplicado em cima dos ganhos. De toda forma, transformar R$50 em mais de R$2.000 com apostas não é uma tarefa tão fácil.

valor gasto com apostas no brasil
Fonte: Aposta Legal Brasil e Opinion Box

A questão é que existe um grupo de apostadores que, mesmo sendo pequeno, desembolsa grandes quantias por mês.

“Talvez a maioria dos apostadores recreativos busquem apostar no mercado licenciado, mas os apostadores “VIP”, que costumam apostar grandes quantias, tenderão a buscar o mercado não licenciado", opina Seckelmann.

Ainda na visão do advogado, a tributação, da forma que está, “ignora as perdas dos apostadores e tributa cada um dos prêmios, o que terá consequências terríveis para os apostadores VIP, muitos dos quais se preparam para apostar no mercado não licenciado se isso não for alterado”.

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O apostador, quando for escolher o operador, vai ter que balancear as vantagens e desvantagens de cada um: se prezar por segurança jurídica aos invés de odds boas, vai optar pelo mercado licenciado; se prezar por odds melhores ao invés de segurança jurídica, talvez opte pelo mercado não licenciado.
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O diretor-presidente do IBJR acredita que dificilmente as casas continuarão com a oferta atual para os apostadores. Esse fator poderia prejudicar a arrecadação prevista pelo Governo Federal.

"O alto custo de operação das casas de apostas não irá viabilizar manter as mesmas ‘odds’ que os jogadores já estão acostumados, redirecionando esses apostadores para sites ilegais, tanto no Brasil como internacionalmente", aponta Gelfi.

Wesley Cardia, presidente da ANJL, reflete sobre os efeitos da arrecadação dos impostos: “Entendemos que o governo precisa ampliar a arrecadação para, entre outras coisas, aplicar em políticas públicas, mas acho difícil que as pessoas consigam fazer a correlação de que o desconto é para bancar projetos sociais, ao verem que quase 1/3 do seu prêmio está indo embora em taxação”.

“Nosso grande receio com essa taxação excessiva é a migração das apostas mais significativas para os sites ilegais", conclui.

Mesmo com uma tributação considerada como alta, Eliane Soares destaca as implicações de apostar no mercado ilegal:

"A regulamentação está “duríssima”, com punições previstas inclusive aos provedores de internet que abrigarem sites ilegais, o que vai ajudar a inibir os contraventores. É um poder que foi conferido, entre outros, ao Ministério da Fazenda, de 'derrubar' esses sites ilegais", opina.

Foco é arrecadação tributária, mas impactos no mercado de apostas preocupam

Os especialistas ouvidos pela equipe do Aposta Legal Brasil destacam que a tributação foi exagerada — principalmente quando consideram-se os outros valores que deverão ser desembolsados pelas empresas. Magnho José, presidente do Instituto Jogo Legal, acredita que o valor total de impostos deve chegar aos 32% para os operadores.

Na visão da ANJL, é igualmente importante considerar a carga tributária que virá além aos 18% sobre o GGR: “A carga tributária é muito alta, especialmente porque, ao final, se transformará em cerca de 35%, ao se incluir outros tributos como Cofins, CSLL, IRPJ, PIS, ISS etc".

A possibilidade de grandes apostadores recorrerem por alternativas ilegais preocupa, principalmente porque as empresas também podem se interessar pela atuação no mercado não regulamentado.

“Nenhuma empresa séria, legalizada, consegue sustentar o seu negócio tendo que recolher quase um terço do que fatura em tributos ao Estado. Quem perde com uma alta carga tributária é o próprio governo, uma vez que quanto menos empresas licenciadas houver no país, menor será a arrecadação", destaca Cardia.

O diretor-presidente do IBJR concorda: "Ao valor estabelecido, ainda será adicionada uma taxa de fiscalização. Ou seja, é insustentável manter o interesse de novas empresas e o investimento a longo prazo das empresas de apostas que já estão presentes no Brasil".

Mesmo em meio aos debates, regulamentação veio em boa hora

A Lei de Apostas, aprovada em 2018, foi um passo inicial rumo à regulamentação do mercado, que aconteceu 4 anos depois. Mesmo com discussões e possibilidade de melhoria no texto, especialistas concordam que a MP veio em boa hora e será importante para fortalecer o mercado brasileiro.

“A MP era uma medida necessária, já que a falta de regulamentação deixava o mercado sem regra, inseguro e passível de irregularidades, o que acabava por dar margem à atuação de empresas que não têm compromisso com o jogo responsável e íntegro", aponta o presidente da ANJL.

Soluções poderiam vir da inspiração de outros países

Países observados como “exemplo positivo” por especialistas que defendem o ajuste na tributação são Portugal e Canadá. Em ambos os locais, apenas as operadoras são taxadas — o apostador não deve pagar nenhum tipo de imposto sobre seus ganhos.

Udo Seckelmann acredita que uma solução que o Brasil seria adotar a mesma postura da Espanha, que atualmente tributa os ganhos dos apostadores, mas deduzem as suas perdas.

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Desde o início do processo de regulamentação o Ministério da Fazenda defendeu que o modelo de tributação seria o do Reino Unido, que é de 15% do GGR (Gross Gaming Revenue), mas, ao término dos debates, a tributação foi elevada de 15% para 18% do GGR.
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Falando sobre a tributação das operadoras, o Reino Unido é um exemplo, de acordo com o presidente do IJL.

O presidente do IJL acredita que “uma tributação fora da realidade das melhores práticas mundiais poderá ser decepcionante para as estimativas do governo, que trabalha com uma canalização de 87% dos atuais apostadores".

“Além da taxação elevada, os executivos interessados em aplicar uma licença federal avaliam outros riscos como a concorrência com as operações não reguladas brasileiras, jogo ilegal, os operadores offshores e as operações estaduais", aponta.

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Mesmo porque ainda temos que pensar que poderão ser criada novas alíquotas para Lucros real, presumido ou até Simples Nacional para essas atividades.
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Eliane Soares

Empresária Contábil

Algo unânime entre os especialistas foi a possibilidade — e até mesmo necessidade — de rever a tributação aprovada na versão atual da MP.

A contadora Eliane Soares acredita que, depois da regulamentação em vigor, é bem possível que a taxação sobre as empresas possa ser revista.

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A MP é mais um importante passo na regulamentação das apostas esportivas no país, que deve ser concretizada após a publicação de uma série de portarias pelo Ministério da Fazenda e o debate da MP no Congresso Nacional.
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Mariana Chamellete

Advogada

Magnho José finaliza com sua perspectiva solução para a tributação: “O texto tem 120 dias para ser revisado pelo Congresso Nacional e, neste tempo, devem ser observadas as práticas de países que têm sucesso com apostas esportivas e destacam-se por uma tributação considerada como ‘justa’ tanto para os cofres públicos, quanto para empresas e apostadores”.

A ANJL concorda: “Vamos levar a visão do mercado ao Congresso Nacional, para chegarmos a um nível mais adequado, que seja bom para todos os lados: para os apostadores, para o governo, a sociedade e as empresas que se preocupam com o Brasil".

A vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e advogada especialista do Aposta Legal Brasil, Mariana Chamelette, acredita que apesar da MP ter sido aprovada inicialmente com alta tributação, "não existe modelo no mundo que já tenha nascido perfeito".

Pouco mais de uma semana após a aprovação da MP, deputados e senadores já acrescentaram mais de 40 emendas ao texto. Elas dizem respeito, principalmente, ao destino dos valores arrecadados com impostos.

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