Como a regulamentação ajuda a prevenir a lavagem de dinheiro?
Em 24 de julho de 2023, o governo federal brasileiro publicou a Medida Provisória nº 1.182 - a MP das Apostas -, que trouxe substanciais alterações à Lei nº 13.756/2018 e, como já adiantado nesta coluna, fez avançar a regulamentação para o setor de apostas esportivas no país.
Nas próximas semanas, vamos explorar aspectos específicos relacionados a essa MP e que chamaram a nossa atenção.
O primeiro traz importante alteração à Lei nº 13.756/18 quanto ao uso das apostas para a realização de lavagem de dinheiro e a consequente necessidade de prevenção para que ela não ocorra.
O que é lavagem de dinheiro?
De maneira simplificada, a lavagem de capitais e ativos é praticada pelo indivíduo ou pela organização criminosa que pretende fazer parecer que obteve de forma legítima um valor que ganhou de maneira criminosa.
É como tentar “limpar” o dinheiro sujo, para que pareça que veio de fontes legais. Isso geralmente envolve uma série de transações complicadas para esconder a origem ilegal do dinheiro, tornando difícil para as autoridades descobrirem a verdadeira fonte.
Assim, como definido pelo art. 1º da Lei nº 9.613/98, lavagem de dinheiro é a prática de ocultação ou dissimulação de algumas circunstâncias do produto criminoso: sua verdadeira natureza, origem, localização, movimentação ou propriedade.
O produto, por sua vez, podem ser bens, direitos ou valores provenientes de atividades criminosas. A finalidade de tal ocultação ou dissimulação é a reinserção do produto criminoso na economia formal, com a aparência de licitude.
O processo de lavagem de dinheiro pode ser dividido em três etapas:
- Ocultação/colocação: é o mero afastamento do valor de sua origem criminosa;
- Dissimulação: é a tradução de um disfarce ao valor, normalmente com a realização de transações mais sofisticadas voltadas a dificultar o rastreamento do valor;
- Integração: é a reinserção dos valores, agora lavados, à economia formal, com aparência de licitude, de forma a possibilitar seu pleno usufruto.
- Ocultação/colocação: é o mero afastamento do valor de sua origem criminosa;
- Dissimulação: é a tradução de um disfarce ao valor, normalmente com a realização de transações mais sofisticadas voltadas a dificultar o rastreamento do valor;
- Integração: é a reinserção dos valores, agora lavados, à economia formal, com aparência de licitude, de forma a possibilitar seu pleno usufruto.
A lavagem de dinheiro tende a ser o próprio motor das organizações criminosas. Isso porque é por meio desse processo que tais organizações conseguem manter o funcionamento da atividade ilícita e, é claro, assegurar que possam usufruir dos produtos oriundos das práticas delitivas sem levantar suspeitas.
Existe Relação Entre Apostas E Lavagem De Dinheiro?
A instrumentalização das apostas para lavagem de dinheiro já tem ocupado a atenção de agentes internacionais.
Em agosto de 2020, a EUROPOL, a agência de polícia europeia, divulgou um relatório significativo sobre o envolvimento de grupos criminosos no mundo dos esportes, intitulado “The involvement of organised crime groups in sports corruption” (O envolvimento de grupos de crime organizado na corrupção esportiva, em tradução livre).
Esse estudo internacional busca comprovar que organizações criminosas em todo o mundo estão usando o esporte como meio para realizar atividades ilícitas, dada a grande quantidade de dinheiro movimentada.
O mercado de apostas esportivas movimenta grandes somas de dinheiro rapidamente, e sua regulamentação varia em diferentes partes do mundo (sequer sendo regulada em alguns estados nacionais), o que o torna atraente para atividades de lavagem de dinheiro.
Existem diversas maneiras pelas quais as apostas esportivas são usadas para lavar dinheiro, desde transações simples até esquemas complexos que envolvem diversas operações financeiras.
Podemos mencionar, aqui, as duas formas mais simples e triviais de lavagem por meio da realização de apostas esportivas:
- Uma primeira possibilidade é a abertura de uma conta em um site de apostas esportivas e depositar valores obtidos com alguma prática ilegal. Uma vez que a aposta é realizada, o valor proveniente do prêmio pode ser transferido para outra conta de sua escolha, dando à quantia uma aparência de legalidade.
- Outra maneira comumente utilizada consiste na realização de depósitos fragmentados, que são mantidos na conta do site, sem movimentação aparente. Em seguida, a conta é fechada e o montante depositado é devolvido por meio de transferência para uma conta bancária de sua posse ou, conforme a regulamentação (ou falta dela), para a conta de um terceiro. Desse modo, o dinheiro passa a parecer lícito.
Se tratarmos de possibilidades mais complexas, é possível mencionar que a desregulamentação, em diversos países, possibilita que as organizações criminosas possuam suas casas de apostas e, assim, constituam seus próprios esquemas de lavagem de dinheiro.
A falta de regulamentação e fiscalização no setor de apostas favorece a lavagem de dinheiro.
Nesta hipótese, os membros da organização criminosa podem, de forma fracionada, realizar uma série de apostas pequenas em resultados absurdos (misturados com apostas legítimas de apostadores interessados), com o intuito de destinar a quantia perdida à casa de apostas, normalmente sediada em outra jurisdição.
Essas são algumas das dezenas de possibilidades de aproveitamento do mercado e instrumentalização das casas de apostas para a realização da lavagem de dinheiro.
A falta de regulamentação e fiscalização nesse setor em muitos países favorece a lavagem de dinheiro, permitindo o anonimato dos apostadores e a existência de casas de apostas online ilegais.
Face a esse relevante problema, as autoridades e agências de regulamentação estão cientes desses riscos e trabalham para implementar medidas de prevenção e detecção, como:
- limites de transações;
- monitoramento de padrões incomuns; e
- requisitos de identificação para participantes das apostas.
Isso ajuda a mitigar o potencial de lavagem de dinheiro por meio das apostas esportivas.
A regulamentação prevê medidas contra a prática?
No cenário nacional, a Lei nº 13.756/18 trouxe as apostas esportivas para o espectro da legalidade. Contudo, a prática ainda não havia sido regulamentada, de forma alguma, até o presente momento.
A MP 1.182/2023 não adentra em todos os campos regulamentares do mercado de apostas. Conforme o próprio governo federal já se manifestou, ainda virão algumas Portarias para regular mais efetivamente a atividade. Tais Portarias seguramente vão abranger a fiscalização das operações e promover o fortalecimento dos mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro.
De todo modo, desde já, a MP, em seu artigo 35, prevê que “a pessoa jurídica detentora da autorização remeterá ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), na forma das normas expedidas pelo Poder Executivo, informações sobre os apostadores relativas à prevenção de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo”.
“‘Bets’ devem trabalhar desde já na implementação de políticas internas de governança e compliance.”
O Coaf é um órgão responsável por monitorar e combater atividades financeiras suspeitas ou ilegais, como a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Ele recebe informações das instituições financeiras e de outros setores para identificar transações que possam indicar práticas ilícitas.
Assim, o órgão atua como uma espécie de fiscalizador, auxiliando as autoridades a rastrear movimentações financeiras suspeitas e contribuir para a prevenção e repressão de crimes relacionados ao sistema financeiro.
Espera-se que o próprio Coaf publique em breve Portaria com relação a que forma os dados sobre apostadores e as operações feitas serão comunicadas ao órgão e incluídas no sistema de envio de informações, o Siscoaf.
Essa medida será fundamental para evitar que as casas de apostas sejam utilizadas de maneira indevida por criminosos.
Diante do presente cenário, as “bets” devem se manter atentas aos aprimoramentos da regulamentação e, àquelas que ainda não deram início, é momento de trabalhar na implementação de políticas internas de governança e compliance, sob o desígnio de evitar a participação eventual, mesmo que de forma indireta, em casos de lavagem de dinheiro, mitigando riscos judiciais e reputacionais.