Conar planeja dedicar um terço de seu trabalho ao mercado de apostas
Depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar a lei que regulamenta a atuação das empresas de apostas no mercado brasileiro, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) publicou o Anexo X, que determina as regras para as mensagens publicitárias desse tipo de empresa. Agora, o órgão planeja dedicar um terço de todos os seus esforços para a regulação do mercado de apostas.
“O Anexo X entrou em vigor a partir do dia 31 de janeiro. De todas as reclamações que recebemos, 80% são relacionadas ao digital. Desses 80%, o número relacionado a jogos e apostas tem aumentado consideravelmente. Talvez, teremos um terço do nosso trabalho voltado basicamente para esse setor”, explicou o diretor jurídico e coordenador do Conselho de Ética do Conar, Diógenes Carvalho, em entrevista ao Aposta Legal Brasil, durante o evento SBC Summit Rio, nesta quarta-feira (6).
Um ponto de atenção para o órgão é a atuação de influenciadores digitais, que fazem publicidade para as empresas de apostas atuantes no mercado brasileiro.
Contudo, o Conar planeja trabalhar “fora do comando e controle” e adotar uma postura educativa. Segundo Carvalho, o órgão não pretende “abrir representação, entrar com os processos, mas, primeiramente, dar conhecimento da existência dessas regras”.
“É muito comum a gente fazer as audiências, abrir uma representação e perceber que a pessoa tem um conhecimento mínimo do que era necessário”, destacou.
A discussão sobre a atuação das casas de apostas na promoção do jogo responsável e a regulamentação desse mercado foi pauta da palestra “Como fazer uma campanha publicitária de forma responsável em um mercado recém-regulamentado, garantindo crescimento de longo prazo em conformidade”, durante o SBC Summit Rio.
Advertências a influenciadores, mas sem punição
O Anexo X se baseia em cinco princípios: identificação publicitária; veracidade e informação; proteção a crianças e adolescentes; responsabilidade social e jogo responsável.
Para assegurar o cumprimento desses cinco princípios, o Conar atua com o envio de cartas aos influenciadores que agem fora das regras previstas no documento regulatório.
Em 2024, já foram enviadas 140 cartas. Nelas, o órgão identifica as publicações que não descumprem as normas publicitárias, como a ausência de frases de advertência, e apresenta um prazo de 10 dias para que o responsável pelo post se manifeste. Se houver reincidência, o caso passa a ser analisado pelo Conselho de Ética do Conar, mas sem a previsão de uma punição.
“Não existe uma punição a priori. A gente tem uma autorregulação, então abre-se uma representação e um conselho ético que vai julgar. Se vai retirar aquela publicidade, se vai sustentar, retirar a publicação, a gente não tem uma punição, uma sanção específica, mas é ali uma consideração e um conselho ético que vai julgar de caso a caso”, explicou Diógenes Carvalho.
Para lidar com as mensagens publicitárias no meio digital, o Conar criou um “Guia de Influenciadores”, baseado em experiências europeias. O próximo passo é direcionar as recomendações para o mercado de apostas, com a expectativa de que esse trabalho seja concluído até meados de 2024.
Resistência das casas de apostas à regulamentação
Em meio à regulamentação do mercado de apostas no Brasil, o Conar buscou ouvir institutos ligados a esse setor para superar possíveis resistências. O diretor jurídico e coordenador do Conselho de Ética do órgão defende a autorregulação como uma forma de cooperação.
“Quando você traz o setor, você traz um player, você trabalha em cooperação, isso vai trazer benefício para todos. Essa é a grande ideia. A autorregulação quer eficiência, não é sancionar, não é tirar do ar. Existe uma realidade, ela está posta. Essas casas de apostas vão passar ainda por validações, que são da própria lei. E a gente vai acompanhar o mercado”, complementou.
O que diz o Anexo X do Conar
As regras publicitárias para as empresas de apostas no Brasil estão descritas no Anexo X do Conar. O documento determina que as mensagens publicitárias de companhias de apostas precisam ter o teor comercial identificado, proibindo qualquer publicidade velada dos anunciantes.
Também ficam vedadas mensagens que façam promessas de ganhos e resultados certos, assim como a divulgação de informações irrealistas sobre a probabilidade de ganhos com apostas.
Além disso, o Anexo X obriga a inserção do símbolo “18+” ou do aviso “proibido para menores de 18”. Qualquer alusão ao universo infantil, incluindo a participação de crianças e adolescentes, é proibida nas peças publicitárias de empresas de apostas.
O documento do Conar determina ainda que as empresas do setor devem deixar claro aos consumidores os possíveis impactos psicológicos das apostas, com a defesa do jogo responsável.
Uso de IA para o jogo responsável
Ao lado de Diógenes Carvalho, do Conar, esteve Stephen Aury, gerente de desenvolvimento de negócios da Mindway AI. A empresa de origem dinamarquesa oferece um software voltado para o jogo responsável, com operação em mais de 30 países e alcance superior a 7,7 milhões de jogadores por mês em todo o mundo.
“Temos um algoritmo que está treinado nos princípios da ciência cognitiva, neurociência e psicologia. E ele tem sido treinado por psicólogos experts de diferentes mercados ao redor do mundo, psicólogos que trabalham no espaço de tratamento, que têm uma compreensão profunda de distúrbios de jogo. Então, com esses psicólogos, nós avaliamos as características desses distúrbios no nosso algoritmo. E colocamos uma patente nele, para que ninguém mais possa copiar ou replicar o que fazemos no mundo”, explicou Aury.
“Nós trabalhamos com os operadores para ajudar elas a entenderem a base de dados dos clientes, através da detecção rápida de comportamentos problemáticos. Assim que alguém estiver mostrando os sinais precoces de distúrbios relacionados a apostas, vamos enviar uma intervenção automática ou alerta para o operador”, acrescentou.
Alertas para casas de apostas e autoexclusão de jogadores
Entre as práticas para um jogo responsável, os alertas emitidos pelo software da Mindway AI podem indicar, por exemplo, que o jogador deva ficar vetado de fazer saques ou novos depósitos.
“Temos um nível granular de detalhes pessoais, de todas as suas atividades em uma plataforma de apostas. Podemos fazer essas intervenções personalizadas e contextualizadas, o que significa que quando você comunica com aquela pessoa, isso realmente leva a atividades de comportamentos positivos, para que elas se sustentem por um longo período”, salientou.
Assim como a emissão de alertas para as casas de apostas, a Midway AI defende a possibilidade de autoexclusão, para que o próprio jogador se retire da plataforma e não possa mais voltar.
“A autoexclusão é uma minimização de danos, é algo em que o regulador precisa ter foco. Se a autoexclusão é garantida para um jogador, os reguladores precisam ser capazes de excluí-los da sua plataforma e depois enviar isso para o registro de autoexclusão, que é uma base centralizada nacional. Essa é a melhor maneira de exclusão de sites e apps licenciados. Porém, há o mercado negro a se preocupar, e é por isso que você precisa considerar e avaliar o software de bloqueio de apostas”, ressaltou Stephen Aury.
Educação como o caminho ideal
Em consonância com a postura do Conar, o gerente de desenvolvimento de negócios da companhia dinamarquesa prega que campanhas de educação são o melhor caminho para evitar o vício em apostas.
“Eu teria um foco em educação, em uma campanha de consciência nacional, para mostrar e educar a sociedade sobre os perigos possíveis. E, do ponto de vista do operador, eles precisam assinar todas as atividades e serviços que estão lá para ajudar as pessoas se elas caem no caminho do mal”, alertou.