Manipulação nas apostas esportivas: por que a prática cresceu no esporte brasileiro?

Atualizado: 1 Abr 2024
mariana chamelette

Mariana Chamellete

Sobre o autor

Expert em direito esportivo há 16 anos, explica as regras das apostas para você fazer seus palpites.Leia mais
Especialista em legislação de apostas
manipulacao resultados no futebol

O esporte é uma das maiores (quiçá, a maior) fontes de entretenimento no mundo. Seu lugar de destaque divide as atenções das pessoas ao lado da música, do cinema, do streaming, entre outros.

O que diferencia o esporte, juntamente à indústria dos games, é sua imprevisibilidade.

Ao contrário de um filme, por exemplo, cujo desfecho está estabelecido, o interesse num jogo de futebol, numa partida de tênis ou numa luta de MMA se ampara nos ombros da dúvida, da incerteza, do imponderável.

Se sua alma reside na imprevisibilidade, a manipulação de resultados representa o maior de todos os riscos aos esportes.

O match-fixing não apenas compromete a lisura dos desportos, como sua própria existência, uma vez que pode ensejar uma genuína perda de interesse das pessoas, que apenas assistem a partidas e lutas por acreditarem estar vendo a história ser escrita ali, diante de seus olhos.

Dentro deste enredo, o futebol, inegavelmente, ocupa um papel de protagonista.

Por essa razão, este primeiro artigo, de estreia da coluna, se volta a estabelecer brevemente o panorama geral sobre a regulação da manipulação no futebol e a (não) regulação do mercado de apostas no Brasil.

Manipulação no esporte

A manipulação no esporte existe desde que a atividade nasceu em sua forma organizada. As legislações domésticas e as federações, nacionais e internacionais, desde suas gêneses, buscam coibir esta prática.

O grande enfoque recente à manipulação tem se dado em razão da maior popularização do esporte como forma de entretenimento e do aumento da presença das casas de apostas.

Por óbvio, há uma correlação direta entre as apostas e a manipulação de resultado.

Não haveria interesse no empreendimento de arranjos se não existisse uma contrapartida financeira.

As apostas no Brasil foram inicialmente consideradas contravenções penais (classificação dada aos “crimes menores”, menos gravosos) na promulgação do Decreto-Lei nº 3.688/1941. As apostas, ali, foram equiparadas aos jogos de azar.

Em 2018, sob a batuta do governo do ex-Presidente Michel Temer, promulgou-se a Lei nº 13.756/2018, que trouxe as apostas esportivas para o espectro da legalidade.

As apostas foram equiparadas, desta vez, às loterias.

Falta de regulamentação

Apesar de permitir as apostas esportivas, a lei condicionou sua exploração a uma regulamentação futura. E, como se sabe, a referida regulamentação, até hoje, não ocorreu.

Como reflexo desta mistura nociva (fruto da inércia legislativa) da permissão das apostas com a impossibilidade de explorá-las em território nacional, formou-se o cenário em que as apostas esportivas crescem – e muito – no país, mas as casas e sites de apostas estão sediados no exterior.

Neste contexto, os operadores das casas/sites ficam alheios à legislação e ao Judiciário brasileiros, bem como blindados de fiscalização e tributação nacional.

Estas consequências serão objetos de um outro artigo que será publicado nesta coluna.

Fato é que, com o recrudescimento das apostas esportivas, naturalmente, aumentam os estímulos perversos à manipulação de lances e resultados.

Afinal, agora, há mais dinheiro na mesa para que se influencie pessoas ligadas ao esporte a integrarem arranjos (anti)desportivos.

Não à toa, recentemente, tem-se acompanhado o desenrolar da Operação Penalidade Máxima, que está agora em sua segunda fase.

Apesar de as apostas esportivas não possuírem regulamentação, a manipulação de lances e resultados é repreendida por diversas searas, e de forma rigorosa.

Especificamente quanto ao futebol, àqueles envolvidos em esquemas de manipulação podem estar sujeitos a sanções disciplinares, consequências cíveis e trabalhistas, além de penas no âmbito criminal.

Sob a perspectiva penal, àqueles envolvidos em esquemas de manipulação de resultados estavam sujeitos às penas previstas nos tipos dos artigos 41-C, 41-D e 41-E, da Lei nº 10.671/03, introduzidas ao Estatuto do Torcedor, e que vieram reproduzidos nos artigos 198, 199 e 200 da recém-publicada Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023).

O que diz a lei?

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Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado. Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
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Art. 41-D.Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado: Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
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Art. 41-E.Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
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Art. 198.Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado.Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
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Art. 199. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado.Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
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Art. 200.Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado.Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

No âmbito disciplinar, as sanções administrativas estão previstas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (art. 241, art. 242, art. 243 e art. 243-A), no Regulamento Geral de Competições da CBF e no Código de Ética da FIFA, e podem chegar até ao banimento vitalício do esporte.

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Art. 241. Dar ou prometer qualquer vantagem a árbitro ou auxiliar de arbitragem para que influa no resultado da partida, prova ou equivalente.Pena - multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e eliminação.Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá: I - o intermediário; II - o árbitro e o auxiliar de arbitragem que aceitarem a vantagem.
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Art. 242. Dar ou prometer vantagem indevida a membro de entidade desportiva, dirigente, técnico, atleta ou qualquer pessoa natural mencionada no art. 1º, § 1º, VI, para que, de qualquer modo, influencie o resultado de partida, prova ou equivalente.Pena - multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e eliminação. Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá o intermediário.
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Art. 243. Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende.Pena - multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias.§ 1º Se a infração for cometida mediante pagamento ou promessa de qualquer vantagem, a pena será de suspensão de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias e eliminação no caso de reincidência, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).§ 2º O autor da promessa ou da vantagem será punido com pena de eliminação, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
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Art. 243-A. Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente.Pena - multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação.Parágrafo único. Se do procedimento atingir-se o resultado pretendido, o órgão judicante poderá anular a partida, prova ou equivalente, e as penas serão de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de doze a vinte e quatro partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação.

Ademais, tais pessoas podem sofrer consequências cíveis, ante o pagamento de indenizações a instituições eventualmente lesadas, e trabalhistas, como a rescisão contratual por justa causa levadas à cabo pelo respectivo contratante (pode ser um clube de futebol, a comissão nacional de arbitragem da CBF, entre diversas outras entidades que atuam na indústria futebolística).

Com a legislação atual sobre manipulação de resultados, o trabalho agora passa aos órgãos fiscalizadores e julgadores/sancionadores no sentido de fazer valer as disposições regulamentares e legais.

Paralelamente, cumpre aos clubes, federações e todos aqueles envolvidos com o esporte o trabalho de fortalecer a cultura de respeito à imprevisibilidade das partidas.

Doutro lado, espera-se que o atual governo regulamente as apostas esportivas, dando corpo à moldura trazida pela Lei nº 13.756/2018.

O Ministério da Fazenda já encaminhou uma proposta de Medida Provisória à análise da Presidência da República. Estaremos de olho!

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