Manipulação nas apostas esportivas: por que a prática cresceu no esporte brasileiro?
O esporte é uma das maiores (quiçá, a maior) fontes de entretenimento no mundo. Seu lugar de destaque divide as atenções das pessoas ao lado da música, do cinema, do streaming, entre outros.
O que diferencia o esporte, juntamente à indústria dos games, é sua imprevisibilidade.
Ao contrário de um filme, por exemplo, cujo desfecho está estabelecido, o interesse num jogo de futebol, numa partida de tênis ou numa luta de MMA se ampara nos ombros da dúvida, da incerteza, do imponderável.
Se sua alma reside na imprevisibilidade, a manipulação de resultados representa o maior de todos os riscos aos esportes.
O match-fixing não apenas compromete a lisura dos desportos, como sua própria existência, uma vez que pode ensejar uma genuína perda de interesse das pessoas, que apenas assistem a partidas e lutas por acreditarem estar vendo a história ser escrita ali, diante de seus olhos.
Dentro deste enredo, o futebol, inegavelmente, ocupa um papel de protagonista.
Por essa razão, este primeiro artigo, de estreia da coluna, se volta a estabelecer brevemente o panorama geral sobre a regulação da manipulação no futebol e a (não) regulação do mercado de apostas no Brasil.
Manipulação no esporte
A manipulação no esporte existe desde que a atividade nasceu em sua forma organizada. As legislações domésticas e as federações, nacionais e internacionais, desde suas gêneses, buscam coibir esta prática.
O grande enfoque recente à manipulação tem se dado em razão da maior popularização do esporte como forma de entretenimento e do aumento da presença das casas de apostas.
Por óbvio, há uma correlação direta entre as apostas e a manipulação de resultado.
Não haveria interesse no empreendimento de arranjos se não existisse uma contrapartida financeira.
As apostas no Brasil foram inicialmente consideradas contravenções penais (classificação dada aos “crimes menores”, menos gravosos) na promulgação do Decreto-Lei nº 3.688/1941. As apostas, ali, foram equiparadas aos jogos de azar.
Em 2018, sob a batuta do governo do ex-Presidente Michel Temer, promulgou-se a Lei nº 13.756/2018, que trouxe as apostas esportivas para o espectro da legalidade.
As apostas foram equiparadas, desta vez, às loterias.
Falta de regulamentação
Apesar de permitir as apostas esportivas, a lei condicionou sua exploração a uma regulamentação futura. E, como se sabe, a referida regulamentação, até hoje, não ocorreu.
Como reflexo desta mistura nociva (fruto da inércia legislativa) da permissão das apostas com a impossibilidade de explorá-las em território nacional, formou-se o cenário em que as apostas esportivas crescem – e muito – no país, mas as casas e sites de apostas estão sediados no exterior.
Neste contexto, os operadores das casas/sites ficam alheios à legislação e ao Judiciário brasileiros, bem como blindados de fiscalização e tributação nacional.
Estas consequências serão objetos de um outro artigo que será publicado nesta coluna.
Fato é que, com o recrudescimento das apostas esportivas, naturalmente, aumentam os estímulos perversos à manipulação de lances e resultados.
Afinal, agora, há mais dinheiro na mesa para que se influencie pessoas ligadas ao esporte a integrarem arranjos (anti)desportivos.
Não à toa, recentemente, tem-se acompanhado o desenrolar da Operação Penalidade Máxima, que está agora em sua segunda fase.
Apesar de as apostas esportivas não possuírem regulamentação, a manipulação de lances e resultados é repreendida por diversas searas, e de forma rigorosa.
Especificamente quanto ao futebol, àqueles envolvidos em esquemas de manipulação podem estar sujeitos a sanções disciplinares, consequências cíveis e trabalhistas, além de penas no âmbito criminal.
Sob a perspectiva penal, àqueles envolvidos em esquemas de manipulação de resultados estavam sujeitos às penas previstas nos tipos dos artigos 41-C, 41-D e 41-E, da Lei nº 10.671/03, introduzidas ao Estatuto do Torcedor, e que vieram reproduzidos nos artigos 198, 199 e 200 da recém-publicada Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023).
O que diz a lei?
No âmbito disciplinar, as sanções administrativas estão previstas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (art. 241, art. 242, art. 243 e art. 243-A), no Regulamento Geral de Competições da CBF e no Código de Ética da FIFA, e podem chegar até ao banimento vitalício do esporte.
Ademais, tais pessoas podem sofrer consequências cíveis, ante o pagamento de indenizações a instituições eventualmente lesadas, e trabalhistas, como a rescisão contratual por justa causa levadas à cabo pelo respectivo contratante (pode ser um clube de futebol, a comissão nacional de arbitragem da CBF, entre diversas outras entidades que atuam na indústria futebolística).
Com a legislação atual sobre manipulação de resultados, o trabalho agora passa aos órgãos fiscalizadores e julgadores/sancionadores no sentido de fazer valer as disposições regulamentares e legais.
Paralelamente, cumpre aos clubes, federações e todos aqueles envolvidos com o esporte o trabalho de fortalecer a cultura de respeito à imprevisibilidade das partidas.
Doutro lado, espera-se que o atual governo regulamente as apostas esportivas, dando corpo à moldura trazida pela Lei nº 13.756/2018.
O Ministério da Fazenda já encaminhou uma proposta de Medida Provisória à análise da Presidência da República. Estaremos de olho!