Entenda as lacunas da portaria de Jogo Responsável
Embora a portaria do Jogo Responsável (SPA/MF nº1.231) tenha sido uma das últimas publicadas, ela pode ser considerada uma das mais importantes.
Afinal, é a portaria que define as ferramentas e as obrigações que os operadores devem ter para diminuir os danos que a prática dos jogos podem causar na vida dos usuários.
Ainda que traga elementos importantes, como a regulação da propaganda e a responsabilização dos influenciadores, a portaria falha em entregar o controle da política de jogo responsável na mão dos operadores, que poderão definir os seus próprios critérios para jogo patológico e jogo compulsivo.
Com isso, eles não precisarão agir quando não desejarem, facilitando que empresas mal intencionadas utilizem de padrões que não protejam os usuários compulsivos de perderem valores que podem ser comprometedores para sua vida.
Confiar na auto regulação do mercado na criação de políticas de jogo responsável que realmente desejam fazer a diferença na vida dos usuários pode se configurar em um erro, como já é observado em diversos países pelo mundo, causando o superendividamento da população e a falta de apoio dos operadores pela causa do jogo responsável.
Antes da Lei 14.790/24 regulamentar o mercado brasileiro, o que víamos era um total desrespeito ao jogo responsável enquanto esse não era prática obrigatória:
- Falta de ferramentas de limites e de controle do impulso
- Excesso de dificuldades para solicitar a autoexclusão
- Facilidades para depósitos mas dificuldade para retiradas
- Regras obscuras ou mal explicadas
- Falta de informações sobre as chances de vencer e de perder
Os mesmos operadores que abusavam da falta de política de jogo responsável antes da regulamentação serão os responsáveis por criar suas próprias políticas sobre o tópico.
“Fica então a dúvida: se não eram apoiadores da causa antes, por que serão agora?”
A portaria também traz questões importantes, como a obrigação de treinamentos em jogo responsável e a obtenção de selos de certificado em jogo responsável.
No entanto, não está claro em como obter os selos e quais os critérios as instituições de jogo responsável devem seguir para emitir os certificados de treinamento.
Isso contribui para que a própria indústria forneça entre si seus treinamentos e selos, criando um ecossistema em que o setor se torna o certificador, fiscalizador e regulador.
É importante a presença de instituições independentes, sem vínculo com a indústria e com as empresas, para oferecer as certificações em jogo responsável para garantir que os principais beneficiários dessa política sejam os usuários.
Essa presença ainda contribui para que não haja um excesso de auto regulação por parte dos operadores, que podem focar em garantir seus próprios interesses, se esquecendo do lado social.
É importante o Estado reconhecer o seu papel na regulamentação, não apenas como um arrecadador de impostos, e sim como um agente que esteja disponível para proteger o seu cidadão e mitigar os danos sociais que qualquer setor possa criar, não exclusivamente dos jogos de azar.