Tigrinho aparece em mais de 100 músicas nos últimos dois anos
Para um ouvinte mais atento, entender os meandros de uma sociedade não requer horas folheando a enciclopédia Barsa; basta dar um play no aplicativo de música mais próximo.
Ouvindo os hits do momento, é difícil escapar do "Tigrinho". Afinal, segundo levantamento exclusivo do Aposta Legal junto ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), mais de 100 músicas lançadas no Brasil nos últimos dois anos citam o Tigrinho, como ficou conhecido no Brasil o jogo Fortune Tiger.
A saída do Tigrinho dos cassinos virtuais para a lista da Billboard apenas ilustra o que os dados comprovam: o Fortune Tiger já é uma das modalidades de apostas mais populares do Brasil.
Afamado, o Tigrinho 'coloca as garras de fora' em ritmos como arrocha, funk e rap, que nascem e se espalham pelas periferias, transformando o tema em hits nacionais e até internacionais.
A faixa “Mãe Solteira”, de J Eskine, viralizou com o verso “Tigrinho já não dá prejuízo”. Já “Oh Garota Eu Quero Você Só Pra Mim”, com Oruam, chegou à lista do Spotify das 50 canções mais tocadas no mundo, com o trecho: “Vem com a bunda no dinheiro do Tigrin'”. No mesmo caminho, “Let’s Go 4” atingiu 360 milhões de visualizações apenas no Spotify com o verso “Banca silicone só jogando no Tigrinho”.
Não citar o Tigrinho na hora de compor tornou-se, para os compositores, ignorar o que está nas ruas. Remyson Alexandre, autor de “Tigrinho Banca”, explica que teve a ideia de explorar o tema devido ao alto engajamento que essa plataforma de apostas online possui.
“O compositor tem que estar sempre atento a temas que estão atuais, que estão viralizando, e tentar, muitas vezes de forma divertida, transformar em letra musical”
A preferência pelo Fortune Tiger entre as camadas mais populares da sociedade é referendada pela pesquisa realizada pelo Opinion Box com 4.463 apostadores mostra que 40,2% dos entrevistados das classes D e E têm ou tiveram o hábito de apostar no Tigrinho. O percentual cai entre a classe C (25,2%) e as classes A/B (13,4%). Ao mesmo tempo, 70,2% dos pertencentes das classes A e B, 62,1% da classe C e 46,6% das classes D e E já recorreram a loterias, como a Mega-Sena. As apostas esportivas mantêm um uso equilibrado: 23,7% entre D/E, 23,3% na classe C e 21,1% nas classes A/B.
Outro levantamento da Anbima reforça essa ascensão. Segundo a entidade, aproximadamente 22,4 milhões de brasileiros apostam online, o que representa 14% da população. Em contrapartida, apenas 2% investem em ações, 5% em títulos privados e 2% em títulos públicos. Ou seja, a quantidade de pessoas que apostam online é sete vezes maior que a de investidores em ações. As apostas atraem especialmente os mais jovens, com destaque para a geração Z, que representa 29% dos participantes.
Termo novo, prática antiga
Se hoje o tigre tem destaque, no passado outros 24 animais dividiam o protagonismo quando artistas como Zeca Pagodinho se debruçavam sobre o “jogo do bicho”. Voltando aos legalizados, artistas como a Turma do Pagode citam a Mega-Sena no hit “Camisa 10”, garantindo que permanecerão com a amada mesmo se faturarem a bolada após uma “fezinha”.
Para o doutor em ciências sociais Umeru Bahia, essa forte presença das apostas na cultura reflete o imaginário popular de enriquecer instantaneamente por meio de cassinos e loterias.
“Quando vivemos em uma sociedade desigual, o trabalho rotineiro não é uma forma de enriquecimento, mas uma forma de permanecer na mesma situação socioeconômica, com poucas ou nulas possibilidades de evolução. Enquanto isso, temos uma série de produtos, como casas, carros e celulares, que podem ser acessados apenas com dinheiro. Nesse cenário, as apostas se tornam, sobretudo, a única possibilidade de um cidadão comum sonhar em um dia usufruir desse luxo”, analisa.
Quais os riscos?
O problema é quando o sonho vira obsessão. O vício em jogos, chamado de ludopatia, é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, segundo especialistas, o excesso de exposição pode atrapalhar o tratamento de quem sofre com o transtorno.
Umeru avalia que o avanço tecnológico intensificou o fenômeno. Com o uso massivo de smartphones, a facilidade de acesso transforma o ato de apostar em algo rápido e cotidiano.
Por isso, para Umeru Bahia, a melhor forma de lidar com o problema é legalizando os cassinos virtuais, para garantir fiscalização e regulamentação do setor. “É fundamental”, resume.
“Apenas assim criaremos mecanismos de fiscalização e punição, pois pessoas dispostas a jogar sempre existirão.”







