Como a manipulação de resultados afeta o futebol brasileiro
Esquemas de manipulação de resultados existem praticamente desde que esporte é esporte, sempre de forma contida e em campeonatos menores. Mas, desde a popularização das bets, os casos se tornaram mais frequentes.
Casos envolvendo atletas de renome nas séries A e B do Campeonato Brasileiro foram revelados pela Operação “Penalidade Máxima”, iniciada pelo Ministério Público do Estado de Goiás.
O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) já investigou 26 atletas que fazem ou já fizeram parte de doze times da Série A e nove da Série B do Brasileirão.
Os casos de manipulação preocupam por comprometerem a credibilidade e a imprevisibilidade do esporte.
O foco sobre o tema no debate nacional movimentou até a criação de uma CPI para falar sobre o assunto e o projeto de lei 3.626, que trata da regulamentação das apostas esportivas, traz tratativas para prevenir e coibir esquemas de manipulação.
Envolvidas de alguma forma nesse debate, sete casas de apostas que atuam no Brasil patrocinam times que tiveram atletas envolvidos nas fraudes. Afinal, há impacto nesses patrocínios?
Manipulação de resultados
O professor de gestão esportiva da FIA Business School, Michel Fauze Mattar, afirma que os casos de manipulação de resultados esportivos que se tornaram visíveis na mídia no último ano são uma “ponta do iceberg”.
Segundo ele, os esquemas ocorriam por meio de casas de apostas no exterior quando as bets ainda eram consideradas ilegais no Brasil.
Desde 2018, com a Lei nº 13.756/18, tornou-se mais fácil participar desse tipo de fraude e mais vantajoso para os atletas.
“Vai tendo uma injeção maior de recursos, que vai tornando esses comportamentos e delitos mais interessantes para os contraventores, porque tem um volume maior de recursos envolvidos”, diz.
Para o advogado especializado em compliance e direito desportivo, Andrei Kampff, foi bom esse tema ter vindo à tona para mobilizar os entes envolvidos e o governo em busca de uma forma de coibir fraudes.
“É importante esse movimento conjunto do estado com a confederação, clubes e entidades de colaboração pela integridade do esporte.”
Consequências para o esporte
Com a definição dos resultados antes mesmo da partida, se compromete o interesse pelo jogo. As consequências culturais a longo prazo são “fulminantes”, segundo Mattar.
“Se nada for feito em curto a longo prazo, o produto [esporte] tende a se deteriorar. O que tem acontecido é que os órgãos controladores e até as próprias bets têm se mobilizado para mitigar esse risco”, diz.
“A partir do momento que se começa, por exemplo, a impedir esse tipo de aposta se diminui esse tipo de delitos. Mas lembre-se que as pessoas que querem cometer delitos vão sempre procurar brechas.”
Para ele, a proibição de apostas em ações individuais dos jogadores pode mitigar os esquemas de manipulação.
Ele considera que essa movimentação deve trazer uma redução a curto prazo dos casos de manipulação no esporte, mas que é necessário manter políticas de monitoramento para evitar o problema no futuro.
Andrei Kampff concorda com a ideia e afirma que a discussão sobre essa temática deve ser frequente entre os entes esportivos.
“As empresas e os clubes têm que agir em conformidade com projetos de compliance, precisamos avançar no processo educativo, com campanhas de conscientização, formação para os atletas e para todos os envolvidos. E também precisamos avançar na justiça desportiva, de fiscalizar, julgar e punir os envolvidos, isso cria uma consciência coletiva de que se não agir em conformidade posso ser punido”, resume.
Patrocínio aos times
Kampff avalia que casas de apostas que patrocinam times envolvidos em esquemas de manipulação podem se tornar mais receosas já que elas também perdem com as fraudes.
“O site de apostas pode se afastar e não colocar dinheiro em times que não tenham políticas de integridade, em processos de compliance”, ressalta.
Michel Fauze Mattar considera que não deve haver um impacto imediato sobre os patrocínios devido à questão da manipulação dos esportes.
Mas, o especialista considera que deve haver mudanças com a taxação às empresas prevista na regulamentação.
“Como a gente tem uma quantidade muito grande de players que se aventuraram no mercado não regulado, a regulamentação deve dar uma filtrada. Depois devem entrar novos players mais estruturados já adaptados às regras”, afirma.
Tendo tido dois atletas envolvidos em manipulação de resultados, Nino Paraíba e Dadá Belmonte, o América Mineiro informou que possui uma cartilha interna referente aos riscos de envolvimento em apostas esportivas para todos os atletas e membros da comissão técnica.
“Em caso de comprovação do envolvimento dos grupos citados, o América Futebol Clube tomará as medidas cabíveis, já que não é uma conduta aceita pelo Clube”, disse, em nota.
O Aposta Legal Brasil entrou em contato com as assessorias de imprensa do Athletico-PR, Atlético-MG, Coritiba, Cruzeiro, Cuiabá, Fluminense, Goiás, Grêmio, Red Bull Bragantino, Santos e Vasco, que também tiveram atletas envolvidos, mas não teve respostas até a publicação.
A reportagem também contactou a EstrelaBet, Esportes da Sorte, Betano, Dafabet, Betfair, MrJack.Bet e Pixbet, que patrocinam os times citados. Nenhuma das casas de apostas emitiu respostas.