Vício em apostas | Saiba tudo sobre a compulsão por jogos online

Atualizado: 15 Nov 2023
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Não tem como negar: apostar, especialmente quando ganhamos, pode ser muito divertido! Mas, infelizmente, quando as apostas passam do limite e colocam em risco outras áreas da vida, podemos estar enfrentando um vício em jogos de apostas.

A OMS classificou o jogo patológico como transtorno em 1992, no CID-10.

Os chamados Jogo patológico (CID-10-F63.0) e Mania de jogo de aposta (CID-10-Z72.6) estavam no Código Internacional de Doenças desde 1992, no chamado CID-10.

E em janeiro de 2022, uma nova edição da classificação entrou em vigor: o CID-11, transformando e entendimento desses transtornos.

Neste novo código, o Jogo patológico e a Mania de jogo de aposta foram reclassificados com a nomenclatura Transtorno de Jogos de Apostas, com a classificação geral de CID-11-6C50.

Mesmo sendo classificado como um transtorno mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o vício em jogos de azar ou vício em aposta ainda não é visto popularmente como doença no Brasil.

E, com a regulamentação dos sites de apostas se aproximando, esse problema real é cada vez mais considerado um tema polêmico, ainda que extremamente relevante.

Por isso, conversamos com Caroline Busarello Bruning, psicóloga clínica, e com Magno José Santos de Sousa, presidente do Instituto Do Jogo Legal, a fim de esclarecer o que é o vício em jogos de apostas, quais os sinais e quando buscar ajuda.

O que é o vício em jogos de apostas?

O Transtorno de Jogos, ou ludomania, é definido no CID-11 como um transtorno de comportamento que envolve vícios de comportamento e descontrole de impulsos.

A doença é caracterizada principalmente pelo padrão de comportamento persistente ou recorrente em relação aos jogos e apostas, seja predominantemente offline (CID-11-6C50.1) ou online (CID-11-6C50.2).

Assim, o vício em jogos de azar trata-se de uma adicção, assim como o alcoolismo, ou a dependência de drogas.

Porém, neste caso, o indivíduo é dependente da emoção causada pelo ato de apostar, e não por um componente químico.

Esta foi uma das primeiras dependências comportamentais oficialmente reconhecidas.

E em nossa entrevista, a psicóloga Caroline Busarello Bruning, pontua que:

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O transtorno se caracteriza pela incapacidade da pessoa em controlar o hábito de jogar, mesmo com todos os inconvenientes que isso possa proporcionar. O jogo vem acima de tudo!
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Caroline Bruning

Pisicóloga clínica especializada em Terapias Cognitivas pelo Instituto Catarinense de Terapias Cognitivas – ICTC.

Como nosso cérebro reage quando apostamos?

A psicóloga Carolina explica que o cérebro humano tem uma predisposição a recompensa, sendo suscetível a reforços positivos que liberam dopamina no organismo. Este é o neurotransmissor responsável por regular a sensação de prazer no nosso cérebro.

Ao vencer os jogos de azar ou apostas, um jogador se sente recompensado. E ao reforçar esse tipo de comportamento frequentemente, o cérebro pode ficar dependente da dopamina vinda dessa atividade.

Segundo a profissional da saúde mental, os jogos de cassino, como caça-níquéis, incentivam esse tipo de mecanismo cerebral, reforçando o prazer que sentimos sempre que ganhamos.

E, uma vez que o jogador esteja em um estado de compulsão, mesmo se ele passar por perdas frequentes, o cérebro deseja continuar jogando, em busca de ganhos e da sensação de prazer.

Magno José, presidente da ONG Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL), por sua vez, ressalta em entrevista com a equipe do Aposta Legal que os jogos em si não são atividades necessariamente viciantes.

Há outros tipos de atividades corriqueiras, além de substâncias, que também podem causar dependência, e falaremos disso a seguir.

Os principais gatilhos que levam ao vício em apostas

O vício em jogos de apostas é mais comum entre homens, e pode começar já na adolescência e até na melhor idade.

Caroline Busarello nos explica que há uma relação do Transtorno de Jogos de Azar com outras patologias, como depressão, transtornos de humor e/ou dependência química.

Dados de 2012 do Programa Ambulatorial do Jogo Patológico (PRO-Amjo) do Instituto de Psiquiatria da USP reforçam com essa informação.

73% dos viciados em jogos são dependentes de álcool, cerca de 60% possui dependência de nicotina e 40% tem algum transtorno relacionado às drogas.

Dessa forma, pessoas que já sofrem com estes males podem ser mais suscetíveis a desenvolver também o vício em jogos.

Além disso, os próprios jogos possuem gatilhos que podem contribuir para a manutenção do Transtorno de Jogos. Geralmente, quanto mais rápido temos o resultado da aposta, mais viciante é o jogo.

A publicidade também é um fator contribuinte para os impulsos dos jogadores compulsivos.

Magno José, do Instituto do Jogo Legal, ressalta que as iniciativas de regulamentação das apostas no Brasil contemplam esse ponto. A ideia é justamente estabelecer normas para dosar as campanhas de maneira consciente e destinada aos públicos corretos.

Quais os jogos mais viciantes?

Segundo reportagem da Super Interessante, alguns dos jogos mais viciantes são:

  1. Vídeo Bingo;
  2. Caça-níqueis;
  3. Poker online;
  4. Máquina de Bingo;
  5. Bingo de cartela;
  6. Aposta em cavalos;
  7. Jogos de cartas;
  8. Raspadinhas;
  9. Jogo do Bicho;
  10. Loterias.

Mas reiteramos que apenas o simples ato de jogar não causa dependência. Tudo depende das tendências do jogador, seu contexto, e inúmeros outros fatores.

Casas de apostas com jogo responsável

Acreditamos que sites de apostas seguros e confiáveis devem oferecer ferramentas que reduzam os riscos potenciais de vício e outros males aos seus jogadores.

O chamado Jogo Responsável das casas de apostas são políticas e práticas que promovem a conscientização dos riscos, proteção ao consumidor, entre outros objetivos.

Confira alguns sites de apostas com ferramentas de jogos responsáveis:

Casas de Apostas

Ferramentas de Jogo Responsável

Bet365

Autoexclusão, definição de limites de apostas, alertas de atividade, períodos de pausa, histórico de apostas.

Betano

Limites de apostas e perdas, autoexclusão, períodos de pausa, temporizador de sessões, controle de realidade, autoexclusão.

Betway

Limites de depósito, autoexclusão definitiva e indefinida, lembretes de sessão, fechamento de conta.

Bet365

Ferramentas de Jogo Responsável

Autoexclusão, definição de limites de apostas, alertas de atividade, períodos de pausa, histórico de apostas.

Betano

Ferramentas de Jogo Responsável

Limites de apostas e perdas, autoexclusão, períodos de pausa, temporizador de sessões, controle de realidade, autoexclusão.

Betway

Ferramentas de Jogo Responsável

Limites de depósito, autoexclusão definitiva e indefinida, lembretes de sessão, fechamento de conta.

Dentre as ferramentas de responsabilidade mais comuns temos os limites de depósito e lembretes de sessão.

A autoexclusão também pode ser uma opção para jogadores que precisam se distanciar dos sites de apostas por tempo determinado ou indeterminado.

Essas são medidas já abordadas e adotadas pelas casas de apostas online operantes no Brasil. Mas Magno José, do IJL, ressalta que podemos ir além!

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Quando o jogo é legalizado, é possível termos políticas públicas para os jogadores patólogicos.
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Magno José Santos de Sousa

Precidente do Instituto do Jogo Legal, jornalista e editor do BNL Data.

O presidente do IJL também explicita que no projeto de regulamentação das apostas no Brasil, há um capítulo que estabelece regras importantes para o Jogo Responsável.

As ações visam proteger e tratar os jogadores patológicos, criando uma política nacional de proteção aos jogadores e apostadores.

Uma dessas iniciativas é a criação do Registro Nacional de Proibidos (Renapro), que visa a autoexclusão dos apostadores compulsivos, limitando seus acessos a sites e casas de jogos a partir de sua inscrição.

A inscrição no Renapro pode ser voluntária, via ordem judicial movida por familiar ou por ação do Ministério Público.

Como saber se está viciado em apostas?

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) lista alguns sinais como critérios para diagnosticar o Transtorno de Jogos. São eles:

  • Necessidade de apostar quantias cada vez maiores para saciar os desejos
  • Irritabilidade ou inquietude ao tentar reduzir, ou interromper o hábito de jogar
  • Tentativas malsucedidas de reduzir, controlar ou interromper o hábito de jogar
  • Preocupações frequentes com o jogo
  • Jogar frequentemente ao se sentir angustiado
  • Perda ou prejuízo em um relacionamento significativo, emprego ou oportunidade educacional por conta de jogo
  • Dependência de outras pessoas para obter dinheiro com objetivo de saldar situações financeiras desesperadoras causadas pelo jogo.

Se você manifestou alguns dos sinais citados nos últimos 12 meses, é importante que você busque auxílio profissional para fazer o diagnóstico correto e buscar tratamento.

Profissionais como psicólogos e psiquiatras são os mais indicados para lidar com o vício em jogos de azar e em apostas.

Caroline Busarello Bruning esclarece que o diagnóstico é dado por entrevista com o paciente, que pode ocorrer individualmente, ou com apoio de familiares e pessoas próximas.

A psicóloga clínica ressalta que, normalmente, pessoas com transtornos de controle do impulso ou com alguma dependência podem ter dificuldade de reconhecer a situação sozinhas. E, por isso, o apoio de pessoas significativas é importante para diagnóstico e tratamento.

Infelizmente, o estigma sobre a doença e a ignorância a respeito do tema são fatores que também colaboram para que essas pessoas não reconheçam o problema e busquem ajuda.

Qual a diferença entre jogar por lazer ou por compulsão?

A psicóloga Caroline Busarello deixa claro em nossa conversa que não existe uma frequência de apostas pré-definida para determinar se há uma compulsão ou não.

O diagnóstico avalia não só quando o jogador joga, mas também suas motivações e comportamentos em relação ao jogo.

No entanto, a psicologa pondera algumas diferenças entre a relação saudável e o jogo patológico. Confira a tabela comparativa:

Lazer

Compulsão

Autocontrole por parte do jogador

Perda de controle por parte do jogador

Consegue parar quando quiser

Tem dificuldade em limitar ou interromper os jogos

Reconhece quando algum comportamento não é saudável

Sente necessidade grande de jogar e não reconhece os limites

Joga com maior tranquilidade e pela diversão

Apostador sente urgência grande para jogar, característica obsessiva

Não sente falta de jogar ao finalizar uma rodada ou estar efetuando outras atividades

Mantem o jogo em mente constantemente e sente vontade de jogar mesmo durante outras atividades

Autocontrole por parte do jogador

Compulsão

Perda de controle por parte do jogador

Consegue parar quando quiser

Compulsão

Tem dificuldade em limitar ou interromper os jogos

Reconhece quando algum comportamento não é saudável

Compulsão

Sente necessidade grande de jogar e não reconhece os limites

Joga com maior tranquilidade e pela diversão

Compulsão

Apostador sente urgência grande para jogar, característica obsessiva

Não sente falta de jogar ao finalizar uma rodada ou estar efetuando outras atividades

Compulsão

Mantem o jogo em mente constantemente e sente vontade de jogar mesmo durante outras atividades

Mitos e verdades sobre o vício em apostas

Questionamos a psicóloga Caroline Busarello sobre os mitos e verdades sobre o Transtorno do Jogo de Apostas. Confira a entrevista:

APOSTA LEGAL BRASIL: É preciso jogar todos os dias para ser considerado um apostador compulsivo?

CAROLINE BUSSARELLO BRUNING: MITO. A gente precisa considerar sempre a intensidade. É o mesmo dilema que a gente tem com os alcoólatras: o cara que não bebe todo dia, mas que quando ele bebe, ele perde controle, ele é um alcoólatra ou não? Alguns autores classificam que sim, outros que não. É a mesma coisa com o jogo. Como a pessoa se comporta com o jogo? Ela consegue parar? Ela entende que está entrando em um nível que pode ser prejudicial? Ela entende que está se colocando em risco de alguma maneira? Ela pode jogar uma vez por mês, ela pode jogar a cada 3 meses, mas quando ela joga, é algo dentro do controle dela? Ela não se coloca em risco emocionalmente, psicologicamente, fisicamente, financeiramente, nas relações? Tudo isso precisa ser ponderado.

ALBR: O vício em apostas não é considerado um problema se o apostador consegue quitar suas dívidas?

CBB: MITO. Quitar as dívidas não é necessariamente um sinal de controle. Porque talvez você nem precisasse ter essas dívidas, né? Eu acho que quitar dívidas só reforça um controle ilusório sobre a sua necessidade de jogar, especialmente se você continua fazendo dívidas porque está jogando. Então, você está sempre se colocando perto de um risco, e mantém esse ciclo só porque você está conseguindo pagar as dívidas. Isso se torna uma justificativa para sustentar um hábito, né? Um hábito de vício.

ALBR: Só tem problemas com aposta quem é irresponsável ou muito ambicioso?

CBB: MITO. O vício em jogo não tem nada a ver com caráter. Tem mais a ver com suprir uma necessidade, mas de um jeito muito torto. Mas é preciso investigar como funciona isso no contexto, olhando toda a vida da pessoa.

ALBR: Se um apostador contrair dívidas, o parente ou parceiro(a) deve ajudar a pagar?

CBB: MITO. Olha, o parente e o parceiro não tem obrigação de ajudar ou pagar, né? Acaba que muitas vezes o parente ou parceiro se vê na obrigação porque gerou um risco para família. [...] Mas é preciso mostrar para essas pessoas que elas estão criando problema para si mesmas. E eu sei que isso soa bastante duro, e parece até bastante simples, e não é. [...] Se o dependente sente que sempre tem alguém que cobre por ele, ele vai apostar cada vez mais. [...] Uma hora o jogador patológico precisa ser responsabilizado, mas muitas vezes é uma situação muito delicada.

Existe tratamento para o vício em apostas online?

Sim! Enfrentar o vício em jogos de azar é desafiador, mas há opções de tratamento!

Sabemos que é uma fala clichê, mas o primeiro passo para superar o transtorno é realmente reconhecê-lo e buscar ajuda.

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O padrão ouro de tratamento é a farmacoterapia, ou seja, o uso de medicamentos, aliada à psicoterapia.
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Caroline Bruning

Pisicóloga clínica especializada em Terapias Cognitivas pelo Instituto Catarinense de Terapias Cognitivas – ICTC.

As opções de tratamento seguem a mesma linha de processos de superação de outras dependências, sejam químicas ou comportamentais.

Além de reforçar a importância do processo psicoterapêutico individual para superação do vício em jogos, a psicóloga Caroline também cita os grupos de apoio para auxiliar no tratamento e na consolidação do tratamento.

Iniciativas de apoio a jogadores compulsivos

Alguns exemplos de grupos de apoio no Brasil são o Jogadores Anônimos (JA) e o Jog-Anom (Amigos e Familiares de Jogadores Anônimos).

Esses grupos servem coo redes de apoio tanto para quem passa pelo transtorno, quanto para as pessoas próximas, como familiares e amigos.

Outro recurso é o programa Virando o Jogo. Ele deriva de uma parceria entre a Associação Viver Bem, a CAIXA e o Programa Ambulatorial do Jogo Patológico da USP.

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Um aspecto importante do projeto de regulamentação de jogos no Brasil é que ele tem a previsão de dedicar 4% dos recursos das apostas para o tratamento dessas pessoas.
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Magno José Santos de Sousa

Precidente do Instituto do Jogo Legal, jornalista e editor do BNL Data.

O presidente do Instituto Legal do Jogo, Magno José, ressalta a importância de cobrarmos e buscarmos também por iniciativas públicas.

Como ajudar alguém com vício em jogos de apostas?

Amigos e familiares de pessoas com Transtorno de Jogos de Apostas muitas vezes se preocupam com o bem-estar dos apostadores compulsivos.

E, infelizmente, muitas vezes veem suas relações se deteriorar por conta do vício.

Uma dica para quem deseja ajudar uma pessoa que sofre com o transtorno é dialogar de forma firme e transparente, mas também acolhedora, a fim de evidenciar os malefícios e prejuízos dessa atividade na vida do apostador compulsivo.

Acompanhar o tratamento, sem julgamentos, e reconhecer que o vício é uma doença também é uma forma relevante de acolher uma pessoa que passa pelo transtorno.

Conclusão

Como vimos pelos relatos dos nossos especialistas e pelos dados coletados, o vício em jogos de apostas é um problema real.

Trata-se de um transtorno comportamental que compromete o bem-estar e as relações de quem sofre com ele.

O tema é polêmico no Brasil, e muitas vezes é usado como justificativa para atrasar e impedir a regulamentação dos jogos no país.

Porém, vimos que a legalização e regulamentação pode trazer pontos positivos neste setor, como a criação de programas públicos de proteção e tratamento para os jogadores compulsivos.

De um ponto de vista individual, é importante que cada apostador saiba diferenciar os sinais de compulsão do lazer propiciado pelos jogos.

Vale lembrar que existem tratamentos efetivos para o Transtorno de Jogos de Apostas!

E caso você necessite de ajuda, ou conhece um jogador que esteja enfrentando este desafio, recomendamos que busque profissionais da área de saúde mental e/ou entre contato com os grupos de apoio que citamos neste guia.